| 02 Dezembro 2013
Artigos - Movimento Revolucionário
Artigos - Movimento Revolucionário
Outras
seções do trabalho analisavam temas altamente complexos, como, por
exemplo, “Berrando com Soldados, Oficiais Convocados e Oficiais do Corpo
Feminino do Exército” e “Berrando com Oficiais de Serviço”.
“Exércitos Democráticos do Povo” era a denominação dada aos exércitos dos países da Europa Oriental que, pela força, viram-se obrigados a seguir o almanaque stalinista do socialismo real.
Sobre
os absurdos impostos pelo comunismo na preparação dos exércitos desses
países, foi editado no Brasil o livro “A República das Putas”, de
autoria de Josef Skvorecky. O livro, escrito em 1968, após a invasão da
Checoslováquia pelas tropas soviéticas, que esmagaram a Primavera de
Praga, aborda a preparação do exército checo para a guerra contra os Estados Unidos.
O
personagem central é um major politicamente correto e bajulador, que
vende sua alma aos condecorados oficiais soviéticos. Enquanto isso, a
tropa faz de tudo para prejudicar e levar ao ridículo a oficialidade.
Assim era a vida nesse “Exército Democrático do Povo”, em seus momentos
mais insanos e rudes. Apesar dos regulamentos e regras opressivas, os
personagens se desdobram para encontrar o caminho da liberdade.
Transcrevemos um trecho desse livro com algumas adaptações objetivando facilitar a leitura e a compreensão.
Ao
final do expediente, o major sentou-se à mesa, abriu uma gaveta, puxou
um volumoso caderno e começou a reler o que escrevera ao longo dos
últimos meses. Tratava-se de um trabalho de Estado-Maior que consumira
todas as suas horas de folga, o que o deixava muito orgulhoso. O
trabalho tinha a pretensão de ser um tratado militar pedagógico e,
talvez, transformado em Manual de serviço. Seu título era “Um Curso de
Treinamento de Intimidação”, com o subtítulo “A Arte de dar Esporro,
para os Oficiais das Forças Armadas da Checoslováquia”. Observe-se que
no tempo do socialismo real, era praxe que os títulos de qualquer
publicação deveriam ser quilométricos.
Na
primeira página, o major havia escrito um pensamento: “O Soldado sem
Senso de Humor é um Mercenário – J. V. Stalin” (essa frase fora
inventada pelo major para o caso de o trabalho cair em mãos não
autorizadas). Na página seguinte havia um sumário dividindo a matéria em
seções: “Berrando”, “Dando Esporro”, “Intimidando”, e assim por diante.
Cada uma dessas seções era, por sua vez, dividida em capítulos e, no
final de cada capítulo havia um breve resumo baseado na “História do
Partido Comunista”.
O
major passou a reler seu trabalho com um prazer quase sexual. O
primeiro capítulo – “Uma Introdução Histórica: as Origens e o
Desenvolvimento do Berro” – continha informações sobre Julio César e sua
importância para a teoria clássica do berro. Os capítulos seguintes
estudavam o tema ao longo de vários períodos históricos, dando ênfase
especial ao tema “O Berro nos Exércitos Feudais”, que continha uma
subseção – “O Berro entre os Mercenários” -, depois “O Berro nos
Exércitos Capitalistas” e, finalmente, “O Berro no Exército Vermelho e
no Exército Checoslovaco do Povo”.
A
seguir vinha uma passagem analítica sobre “O Berro Classificado por
Tipos”, com uma longa apresentação dedicada ao “Berro nas Igrejas”, a
qual possuía subseções abordando o berro nas Igrejas Católica,
Protestante e Ortodoxa (enfatizando a missão pacífica da Igreja
Ortodoxa) e nas Sinagogas (dando ênfase à essência reacionária do
Sionismo). Finalmente, para concluir, “O Berro nos Altares Ateístas,
Casas de Oração e Igrejas”.
Após
tudo isso, seguia-se o capítulo “Reflexões de Marx, Engels, Lênin e
Stalin sobre o Berro”, entremeado de citações a eles atribuídas, mas
totalmente desconhecidas. A seguir, um capítulo altamente instrutivo
denominado “A Dialética do Berro. Pode-se Berrar com um Oficial
Superior? Suas Conseqüências”. E, como conclusão, uma breve
recapitulação que continha uma mensagem: “Como Berrar Melhor”.
Outras
seções do trabalho analisavam temas altamente complexos, como, por
exemplo, “Berrando com Soldados, Oficiais Convocados e Oficiais do Corpo
Feminino do Exército” e “Berrando com Oficiais de Serviço”.
Havia
também um ensaio histórico muito bem pesquisado, intitulado “Aníbal e o
Declínio do Berro nos Exércitos Cartagineses”. A abordagem de classe
construída pelo major era sempre correta, como “Spártaco, o Pai do Berro
Democrático”. Por outro lado, o aspecto intelectual era de alto
calibre: “O Berro como Instrumento da Paz Mundial”.
A
amplitude do material constante de outro capítulo comprovava a erudição
do autor e seu senso prático: “Como ser Condecorado por Berros
Exemplares”.
O
major folheou por longo tempo suas anotações, fez algumas mudanças,
acréscimos e aprimoramentos, mas acabou vencido pela exaustão, deitou-se
no sofá, caiu no sono e sonhou. Sonhou que os oficiais, comportando-se
exatamente segundo o espírito do que escrevera, fizeram com que ele
fosse levado a uma Corte Marcial. Após ser julgado, foi condenado à pena
de morte sob a acusação de traição à pátria, “por divulgar segredos
militares”.
Carlos Azambuja é historiadorMídia Sem Máscara - Os "Exércitos Democráticos Do Povo"
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