quarta-feira, 18 de maio de 2011
GANDRA MARTINS ADVOCACIA - LIÇÃO DO CONSELHO CONSTITUCIONAL DA FRANÇA
LIÇÃO DO CONSELHO CONSTITUCIONAL DA FRANÇA
(O Estado de São Paulo – 17/05/2011)
Idêntica questão proposta ao Supremo Tribunal Federal sobre a união entre
pessoas do mesmo sexo foi colocada ao Conselho Constitucional da França,
que, naquele país, faz as vezes de Corte Constitucional.
Diversos países europeus, como a Alemanha, Itália, Portugal têm suas
Cortes Constitucionais, à semelhança da França, não havendo no Brasil
Tribunais exclusivamente dedicados a dirimir questões constitucionais em
tese, embora o Pretório Excelso exerça simultaneamente a função de
Tribunal Supremo em controle difuso, a partir de questões pontuais de
direito constitucional, e o controle concentrado, em que determina, “erga
omnes”, a interpretação de dispositivo constitucional.
Pela Lei Maior brasileira, a Suprema Corte é a “guardiã da Constituição” - e
não uma “Constituinte derivada” -, como o é também o Conselho
Constitucional francês: apenas protetor da Lei Suprema.
Ora, em idêntica questão houve por bem o Conselho Constitucional declarar
que a união entre dois homens e duas mulheres é diferente da união entre
um homem e uma mulher, esta capaz de gerar filhos. De rigor, a diferença
é também biológica pois, na união entre pessoas de sexos opostos, a
relação se faz com a utilização natural de sua constituição física preparada
para o ato matrimonial e capaz de dar continuidade a espécie. Trata-se, à
evidência, de relação diferente daquelas das pessoas do mesmo sexo,
incapazes, no seu contato físico, porque biologicamente desprovidas da
complementariedade biológica, de criar descendentes.
A Corte Constitucional da França, em 27/01/2011, ao examinar a proposta
de equiparação da união homossexual à união natural de um homem e uma
mulher, declarou: “que o princípio segundo o qual o matrimônio é a união
de um homem e de uma mulher, fez com que o legislador, no exercício de
sua competência, que lhe atribui o artigo 34 da Constituição, considerasse
que a diferença de situação entre os casais do mesmo sexo e os casais
compostos de um homem e uma mulher pode justificar uma diferença de
tratamento quanto às regras do direito de família”, entendendo, por
consequência, que: “não cabe ao Conselho Constitucional substituir, por sua
apreciação, aquela de legislador para esta diferente situação”. Entendendo
que só o Poder Legislativo poderia fazer a equiparação, impossível por um
Tribunal Judicial, considerou que “as disposições contestadas não são
contrárias a qualquer direito ou liberdade que a Constituição garante”.
Sem entrar no mérito de ser ou não natural a relação diferente entre um
homem e uma mulher daquela entre pessoas do mesmo sexo, quero realçar
um ponto que me parece relevante e que não tem sido destacado pela
imprensa, preocupada em aplaudir a “coragem” do Poder Judiciário de
legislar no lugar do “Congresso Nacional”, que teria se omitido em “aprovar”
os projetos sobre a questão aqui tratada.
A questão que me preocupa é este ativismo judicial, que leva a permitir que
um Tribunal eleito por uma pessoa só substitua o Congresso Nacional, eleito
por 130 milhões de brasileiros, sob a alegação de que além de Poder
Judiciário, é também Poder Legislativo, sempre que considerar que o
Legislativo deixou de cumprir as suas funções. Uma democracia em que a
tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo
legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se
tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, se atribua poder
de invadir as funções de outro.
E, no caso do Brasil, nitidamente o constituinte não deu ao Judiciário tal
função, pois nas “ações diretas de inconstitucionalidade por omissão” IMPÕE
AO JUDICIÁRIO, APESAR DE DECLARAR A INÉRCIA CONSTITUCIONAL DO
CONGRESSO, intimá-lo, sem prazo e sem sanção para produzir a norma.
Ora, no caso em questão, a Suprema Corte incinerou o § 2º do art. 103, ao
colocar sob sua égide um tipo de união não previsto na Constituição, como
se poder legislativo fosse, deixando de ser “guardião” do texto supremo
para se transformar em “Constituinte derivado”.
Se o Congresso Nacional tivesse coragem poderia anular tal decisão,
baseado no artigo 49, inciso XI da CF, que lhe permite sustar qualquer
invasão de seus poderes por outro poder, contando, inclusive, com a
garantia das Forças Armadas (art. 142 ‘caput’) para garantir-se nas funções
usurpadas, se solicitar esse auxílio.
Num país em que os poderes, todavia, são de mais em mais “politicamente
corretos”, atendendo o clamor da imprensa - que não representa
necessariamente o clamor do povo -, nem o Congresso terá coragem de
sustar a invasão de seus poderes pelo Supremo Tribunal Federal, nem o
Supremo deixará, nesta sua nova visão de que é o principal poder da
República, de legislar e definir as ações do Executivo, sob a alegação que
oferta uma interpretação “conforme a Constituição.” A meu ver,
desconforme, no caso concreto, pois contraria os fundamentos que
embasam a família (pais e filhos), como entidade familiar.
É uma pena que a lição da Corte Constitucional francesa de respeito às
funções de cada poder, sirva para um país, cuja Constituição e civilização -
há de se reconhecer - estão há anos luz adiante da nossa, mas não
encontre eco entre nós.
Concluo estas breves considerações de velho professor de direito, mais
idoso do que todos os magistrados na ativa no Brasil, inclusive da Suprema
Corte, lembrando que, quando os judeus foram governados por juízes, o
povo pediu a Deus que lhes desse um rei, porque não suportavam mais
serem pelos juízes tutelados (O livro dos Juízes). E Deus lhes concedeu um
rei.
http://www.gandramartins.adv.br/art_detalhes.asp?id=1553
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